Amanhã
Surya Namaskar
Quero colo.
Ontem, escrevi assim. Eu tava com uma dor tão profunda, tão escura que não conseguia dar forma, as palavras saíam desconexas, o corpo tava pesado e a visão turva.
Eu tenho um caderninho que funciona meio como um saco de tesouros. Despejo lá partes de mim: sentires, agonia, desabafo, alegria, questionamentos, revolta, pedidos.
Não sei se foi bem um pedido, acho que foi um grito. Uma súplica. Um lamento. Dias de chuva, frio e vento. Até a tempestade ganhou nome, Cláudia.
Quero dizer pra mim que sou meio sensível ou que sou biruta mesmo. Nada disso importa. Mas, caceta. Quando o sol penetrou minha pele, hoje, eu tive certeza o quanto importa.
E olha que acordei meio zonza, quase desmaiei. Ia já tropeçando, ganhando um chão. Aquele vuco-vuco da manhã, filhos, arrumação, café-da-manhã, roupas pra lavar. Até que o sangue estabilizasse por aqui, me vi um puta titã, carregando bolas tipo pedras pelas costas musculosas. Eu envergava tamanho peso.
De vez em quando vejo coisas. Imaginação fértil, mediunidade, criatividade, sei lá. Canso de contar histórias e de boicotar o poder de comunicação das memórias.
Em algum momento, marido carregou as crianças e eu me dissolvi na cadeira da varanda.
As plantas sussuraram qualquer coisa, eu meio que entendi: estar com elas me nutre, há um campo energético, não sei bem como descrever…nem sei se quero. Traduzir o que sinto, muitas vezes, se torna uma obsessão e me afasta mais e mais da experiência. Sigo em relação, observando como conversamos…
Fiquei voltando no tempo revendo memórias de um passado recente, reivindicações de uma menina de 9 anos que se denomina pré-adolescente. Tentando resumir: a pequena luta pela sua liberdade e autonomia.
Me pego temendo o mundo enquanto ela cresce pra longe do tronco-mãe. Conheço esse padrão, querer proteger o que amo, prever os perigos, isolar do ambiente, criar uma capa, um invólucro…e o que não é tão óbvio, interromper a experiência.
Percebo.
Sou invadida por outra memória. Recente. Uma perda.
Outras. Várias. Vó, pai. Aquela teria feito 92 anos neste domingo. Esse faria 77 dia 28. Até quando vou contar as idades? Não sei, mas é automático. Os anos significam o quê? O tempo linear já é tão tão distante. O afeto não. É diariamente presente. Inversamente proporcional a morte. Parece uma seiva, brota de dentro pra fora. E me explode.
Às vezes, acho que alguem me escuta melhor do que eu. Colo é calor, num é? Abraço minhas memórias. Gracias por desafogarem meus pulmões.
Adeus, Cláudia. O sol voltou a brilhar.
Renato,
sigo praticando amar as pessoas como se não houvesse o amanhã.
Falho. Tento de novo. E de novo.
Ainda assim, descobri, que há sempre um amanhã.
♫ Pais e Filhos ♫




Que delícia te ouvir . Maravilhoso 🍀❤️🌷🤩🥰 um mix de emoções!
Amiga linda. Sua vulnerabilidade sincera me abraça e me inspira. Obrigada por escrever esse texto.